Sobre o Dólar e lições de humildade
Como projetar tendências para o rumo do dólar? Por que é mais complexo do que parece? Na coluna Crônicas do Professor deste mês, Martin Iglesias fala sobre a imprevisibilidade – quase que poética – dessa moeda.
Sempre achei graça da célebre frase de Edmar Bacha: “O dólar é o instrumento criado por Deus para trazer humildade aos economistas”. E não é que ele tem razão? A cotação do dólar é um daqueles mistérios que desafiam até as mentes mais brilhantes do mercado financeiro. Eu, como professor de finanças, vejo isso o tempo todo. Você pode ter uma tese muito bem fundamentada, olhar os indicadores macroeconômicos e, de repente, o dólar decide tomar um caminho completamente inesperado.
Nos últimos anos, o dólar tem valorizado. O movimento vem acontecendo de forma consistente, mas a verdade é que prever o comportamento futuro dessa moeda é sempre uma tarefa arriscada. Mesmo com todos os dados à disposição, há uma complexidade quase poética nas forças que determinam o valor do dólar.
Mas, apesar de tudo, temos algumas teorias econômicas que podem nos ajudar a entender melhor como o dólar – e qualquer moeda, para ser honesto – pode se mover.
Entre as principais ferramentas que usamos para tentar prever o comportamento das moedas estão a Paridade do Poder de Compra (PPC) e a Paridade Descoberta de Juros (PDJ). São nomes bonitos, não é? Mas a realidade por trás dessas teorias é um pouco mais simples do que parece.
Sob a ótica do poder de compra
A Paridade do Poder de Compra sugere que, no longo prazo, o valor de duas moedas deve se ajustar de acordo com o poder de compra de cada país. Se uma cesta de produtos custa mais caro em dólares do que em reais, teoricamente, a taxa de câmbio deveria se ajustar para que o custo fosse equivalente em ambas as moedas. Porém, na prática, isso leva tempo, e vários fatores políticos e econômicos podem interferir no processo. A PPC é uma ferramenta útil para entender a tendência de longo prazo, mas não nos ajuda muito nas flutuações de curto prazo.
Sob a ótica dos juros
Já a Paridade Descoberta de Juros é um pouco mais pragmática. Ela afirma que as diferenças nas taxas de juros entre dois países influenciam o valor de suas moedas. Se os juros nos EUA estão caindo, por exemplo, os investidores tendem a buscar rendimentos mais altos em outros países, movendo seu capital para fora dos Estados Unidos. Isso pode enfraquecer o dólar em relação a outras moedas, como o real. Nesse cenário, a moeda americana perde força, e a PDJ nos ajuda a entender esse movimento.
Essa teoria é particularmente relevante quando estamos em períodos de ajuste nas políticas monetárias. Se o Federal Reserve (banco central americano) reduz as taxas de juros ao mesmo tempo que o Banco Central do Brasil eleva os juros, os fluxos de capital tendem a buscar o mercado brasileiro, o que contribui para valorizar o real e enfraquecer o dólar.
Ainda assim, mesmo com essas teorias, prever a cotação do dólar continua sendo uma arte imperfeita. Como já dizia de forma bem-humorada o físico Niels Bohr, “é difícil fazer projeções, principalmente sobre o futuro”. No fim das contas, tanto economistas quanto investidores precisam reconhecer que, apesar de toda a ciência envolvida, o dólar ainda tem o poder de nos surpreender. E talvez seja aí que resida o seu verdadeiro fascínio.