Ajuste fiscal no Brasil: de que tipo?
O arcabouço fiscal e suas consequências: entenda neste novo artigo do Feed.
Uma visão frequentemente expressa pelo atual governo é que, devido a desonerações excessivas nos últimos anos, houve uma perda importante de receitas que precisa ser recomposta.
De fato, em abril/2023, o documento de apresentação do então novo arcabouço fiscal mencionava explicitamente que a receita líquida da União, que foi em média 18,7% do PIB por ano durante os 2 primeiros mandatos de Lula (entre 2003 e 2010), havia caído para 17% do PIB.
O documento dizia ainda que foi nesse período de receitas maiores que se obteve resultados primários acima de 2% do PIB em média. Um “incremento da despesa e resultado primário ancorado no incremento de receitas”, segundo a apresentação (ênfase como no original).
O argumento de que desonerações são a única razão da queda de receita é um tanto controverso, já que a base de referência usada é o período do boom de commodities do início dos anos 2000. Mas, com base nesse argumento, é coerente a estratégia do governo de tentar equilibrar as contas públicas enfatizando medidas arrecadatórias, sem considerar – pelo menos, até recentemente – a alternativa de cortes de gastos.
O resultado desse racional até aqui foi não só um aumento expressivo de receita, como esperado, mas também do tamanho do governo – isto é, do gasto público em relação ao PIB. Diante do risco de insustentabilidade que os maiores gastos (especialmente os obrigatórios) geram para o arcabouço fiscal, novas medidas tanto arrecadatórias quanto de redução de gastos estão em pauta.
Ajuste via receita ou via gasto: o que mostram as evidências?
Mas qual seria a melhor forma de ajustar as contas públicas: mais receitas ou menos gastos? O recém-falecido economista italiano Alberto Alesina produziu, junto com diversos coautores, respostas empíricas fascinantes a esta pergunta.
A conclusão básica dos trabalhos de Alesina é que ajustes baseados em cortes de gastos pesam bem menos sobre a atividade econômica e, portanto, são mais efetivos para reduzir a dívida/PIB do que ajustes baseados em aumentos de impostos.
Boa parte da diferença entre as estratégias parece advir do impacto diferenciado sobre o investimento privado. Uma explicação é que empresas (e também consumidores) reagem positivamente a uma trajetória mais baixa de gastos por perceberem que ela implica menos impostos no futuro.
Além disso, estudos correlatos (e bastante pertinentes para o caso brasileiro recente) indicam que aumentos de gastos públicos geram uma percepção de maior risco tributário, o que aumenta incertezas e diminui a confiança e o investimento.
Alesina e seus coautores concluem ainda que o impacto negativo na economia de ajustes baseados em redução de gastos tende a ser menor se estes forem duradouros ou permanentes, por assim indicarem uma redução definitiva de impostos. Por outro lado, ajustes baseados em impostos mais altos têm impacto negativo maior quanto mais prolongado for o aumento de impostos.
Quais são as implicações para o cenário brasileiro?
No Brasil, vivemos um momento de forte crescimento, muito baseado em consumo, tanto do governo quanto das famílias. O investimento, por sua vez, vem oscilando sem uma tendência clara. E, apesar do forte crescimento (do PIB e da receita), há dificuldades de cumprir metas fiscais, mesmo que estas sejam de superávits primários modestos, aquém dos necessários para estabilizar a dívida/PIB.
Os resultados dos estudos mencionados acima dão uma prescrição muito clara de como deve ser o ajuste fiscal de modo a minimizar impactos negativos na economia.
Em primeiro lugar, a estratégia de ajuste deve ser menos baseada em aumento de receitas e mais intensiva na redução de gastos.
Além disso, reduções permanentes, como as que poderiam advir de mudanças de regras de indexação (por exemplo, a do salário mínimo) têm maior efetividade. Isso não apenas pelo impacto direto nas contas públicas, mas também por contribuírem para diminuir a incerteza sobre tributos futuros, melhorando assim o ambiente para novos investimentos.
Em segundo lugar, em uma economia que tem crescido mais do que era esperado pela maioria dos analistas (acima de seu potencial), o gasto do governo vem crescendo ainda mais: em 2023 o PIB cresceu 2,9%, enquanto o gasto público, excluindo o pagamento extraordinário de precatórios, cresceu cerca de 7,6%.
Este crescimento do tamanho do governo, medido pelo gasto público sobre PIB, estimula a economia via consumo do governo e das famílias, mas gera incertezas (tributárias e de outras naturezas) que previnem uma alta consistente do investimento.
Em terceiro lugar, se o governo cresce a um ritmo maior do que o potencial da economia, isso significa que o setor privado tem que ceder para “caber” dentro do PIB. A variável que faz este ajuste é a taxa de juros: uma política fiscal expansionista nos gastos, impulsiona a demanda e gera pressões inflacionárias, o que requer uma elevação do nível de juros, como o BC tem feito.
Portanto, o tamanho do governo e seu crescimento recente ajudam a entender por que a taxa de juros básica no Brasil tem sido tão alta e, apesar disso, voltou a subir recentemente.
Como se vê, são muitos os motivos, já bem mapeados na literatura acadêmica, para promover um ajuste fiscal baseado fundamentalmente na redução, de preferência estrutural, de gastos públicos, ao invés de buscar novas receitas.
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